O baile espanhol quase se iguala ao flamenco, a máxima expressão de nossos bailes. Não se trata de um sentimento, e sim de uma técnica eminentemente pessoal.
Não é um baile de cenário, nem de grandes espaços como o castelhano, o catalão, aragonês, vasco ou galego.
Esses bailes regionais costumam ser executados quase que exclusivamente efetuando movimentos de translação ou dando graciosos passos aos que respiram um certo ar campeiro, são e ingênuo, e em geral, em grupos. Em troca, o flamenco apenas necessita de espaço.
O bailaor genuíno quase não de move do lugar, acompanhando a dança com movimentos de braços e mãos. É uma dança eminentemente plástica, solitária, que expressa intensas paixões aos que dão forte destaque.
É necessário um grande senso de ritmo e um temperamento peculiar para compenetrar-se e sentir a música. O que os flamencos chamam, com uma palavra muito profunda, estar "interao". Estar "interao" consiste não só em conhecer o ritmo que tem que levar em cada baile, mas saber em que momento é preciso avisar ao guitarrista, com um gesto ou um passo, as mudanças que se quer fazer, passar para as falsetas, desplantes, médios desplantes, etc.
Assim, não é raro ver como uma mesma dança, ao ser repetida a música, muda e fica diferente da anterior.
Esses bailes não contam com uma coreografia determinada, e o bailarino não improvisa tanto, como superficialmente se afirma. Ele dispõe de recursos, variações, que, como eles dizem, cabem dentro do mesmo ritmo que interpretam.É um erro crer que o flamenco é apenas problema de temperamento e de intuição, próprio para improvisadores, "pseudo-bailaoras/es", como as convulsões não admissíveis nos tablados tradicionais, e que, na realidade, desaforaram o baile.
Soltar os cabelos como Lola Flores, não é bailar flamenco. Não bastam os alvoroços das saias, agarrar-se aos babados, lançar os cravos dos cabelos, girar sem ritmo, nem medida, como louca.
Dizem que um braço de Malena, um movimento de suas mãos, valem por todas as voltas e revoltas que dão as "pseudo-bailaoras". Observa-se que quando os bailarinos, com seus sapateados, saltos, velocidades, temperamento, desaforos, se afastam das linhas tradicionais, cheias de dignidade, sobriedade, estilo, plasticidade pura e completa, então, na mesma medida, perdem personalidade até confundir-se com o comum e não fazem possível o acento pessoal, tão prórpio do flamenco, qual se permitia falar do canto de Chacón, o de Torres, o baile de La Malena, de La Macarrona...
O flamenco exige uma técnica complicada que não se pode suprir com a improvisação. Uma técnica distinta da acadêmica, de códigos e preceitos impessoais. No flamenco, a transmissão da técnica é pessoal. Comunicam-se os segredos uns aos outros diretamente, constituindo uma arte que tem que desentranhar captando, vendo e ouvindo integralmente o que zelosamente se tem guardado desde velhos tempos.
As raízes autênticas é o único que possibilita a recriação, como sucede com todos os de entronca mente popular, onde nunca se diz duas vezes a mesma coisa de maneira idêntica.
A diferença é fundamental. No baile clássico se aprecia facilmente como, a medida que o esforço técnico é maior, a expressão vai desaparecendo, até converter ao artista em uma marionete. Em troca, o flamenco de baile de tablado, por conseguinte não popular, a técnica, ao aperfeiçoar-se, ajuda mais a expressão, porque é uma técnica pessoal.
Com um baile de cintura para baixo e outro de cintura para cima.
O vocabulário dos bailes flamencos podem resultar limitadíssimos a primeira vista, composto de transições bruscas, de sobressaltos que se assemelham ao soluço de gestos sincopados, de convulsões espasmódicas, de descargas elétricas, de impetuosidade indecifrável, que muitas vezes conserva o aspecto de uma autêntica briga.
É tal sua riqueza em improvisos, que alguns, desconsideradamente, situam esses bailes em um campo próximo a secreção interna. Inarticulável de um ponto de vista acadêmico, não considera capaz de colocar limites exatos à paixão.
Todo seu mundo, entretanto, é o mais puro mundo da dança; apenas sai das regiões do ritmo, sem os quais não é possível fazer dança, compassos nem melodias. O ritmo serve de veículo para a melodia, de estrutura para a harmonia, de base para todas as metamorfoses do bailarino.
E se é verdade que só o ritmo, como diz Levinson, não é arte, também é verdade que, sem ritmo, este tão pouco existe.
O flamenco é ritmo e complexo. Há nele nebulosos sentimentos escuros. O absurdo é querer fechá-lo em moldes emprestados pela Academia Nacional de Dança de Paris.
Assim como Debussy e Falla fugiram de moldes de sonatas, superando-os, nossos grandes intérpretes do flamenco estão virtualmente por cima das fábricas de danças. Sem esquecer que o ritmo do flamenco é mediterrâneo: complexo. Complexidade que explica sua riqueza.
Por outro lado, é sabido que, historicamente, a dança coral, a dança provisional, a dança orgástica, a dança em conjunto, em geral é anterior a dança do solista.
Os três elementos fundamentais das velhas danças primitivas – que sobrevivem nas danças regionais-, são: erótico, religioso e guerreiro, que são atos coletivos.
Não existem orgias solitárias, e para perder-se na êxtases comum, é necessário uma multidão. As danças antigas, gregas e romanas, foram danças representativas, danças de artifício e representação, como foi a medieval da morte.
No mundo primitivo, quando aparece um solista, não é em virtude de sua própria personalidade, senão em representação do gênio da tribo, do espírito, de algo que não é dele.
Pelo contrário, no baile flamenco: guitarra, sapateado, pitos e em tudo o que às vezes fazem os membros do corpo, inclusive a língua, nariz, as unhas..., pouco vem de fora, tem como centro sua própria alma, e em uma relação que não se rompeu com o imediato natural. Sua raiz pessoal, se não crê a dança em si, tem a virtude da recriação, que é própria da arte humana, sublinhando sempre com seu "toque" pessoal tudo que se baila.
No mais profundo do flamenco, não se observa nenhuma adaptação. Não há necessidade das gesticulações teatrais. Está, inclusive, nas fronteiras de uma arte não figurativa. É dança, em sua significação abstrata, com um espírito que está tão perto do intuitivo ou instintivo como tudo o que é autenticamente pessoal, tem o sentido do corpo, do estilo e da forma que só dá o espírito.
Fonte: Vicente Marrero, El enigma de España em la danza española.
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